CONTO: CASA DE MULHERES / DAVID GONÇALVES - PARTE I


CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES / PARTE 1
       A conversa desencontrada e em forma de alarido enchia a casa.
    __ Calem a boca! Calem-se! Que coisa! Parecem um bando de maitacas - gritou Madame Teresa, enfurecida.
    Passava das seis da tarde e as luzes do casario começavam a acender-se. Alguém ligara o motor a diesel. Luz elétrica só a diesel. Só quem podia. Os garimpeiros se contentavam com velas ou lamparinas a querosene. Os mais pobres, recém-chegados, tinham a lua e as estrelas para contemplar.
    Madame Teresa estava com uma blusa preta e anáguas cor de rosa, estirada no sofá de couro central da larga sala, com as pernas abertas, dirigindo o jantar, bem na frente do balcão do bar.
   Chamou a criada mulata, cabelos pixains, de lábios carnudos e ancas gordas, que já não servia para nenhum homem.
    __ Vá, Chiquinha, chamar todas essas raparigas. Logo chega gente e elas já deveriam estar por aqui. Elas falam até pelos cotovelos, arre! É preciso sempre estar chuchando essas mulheres como se chucham os bois.
   __ Paciência, Madame, elas são espevitadas, sem juízo. Pra elas, rir é um bom remédio...
    Duas moças entraram de meias, correndo.
   __ Mas que correria é esta? Fiquem quietas. Consuelo! Adelaide! Fiquem quietas. Se o Pastor vier, é bom tirar até a bíblia dele. Ele já nos deve uma boa grana. Ele não me passa a perna. Não nasci ontem. Joselito, pegue o caderno, veja quanto ele deve. Ou melhor, traga o caderno aqui.
   Joselito saiu detrás do balcão com o caderno velho nas mãos. Andava e sacudia as nádegas enchidas com pano e algodão, como as mulheres que não têm seios grandes fazem,
    __ Mas que droga, Joselito! Deixa de ser puto. Quando não está trabalhando, já disse, não precisa se sacudir tanto. Ande direito, como trabalhador. Rebole pros seus homens, pelo amor de Deus!
    Folheando o caderno, correu os dedos sobre as contas.
   __ Aqui está. Só da noite passada, o Pastor deve mais de mil reais. Hoje, meninas, ajam sem piedade. Empurre uísque goela abaixo do safado e saquem até a bíblia, se for necessário. Ele pensa que pode simplesmente ir pendurando a conta e paparicando minhas garotas. Está muito enganado. Com Madame Teresa, não há conversa. Eu quero dinheiro.
    Entregando o caderno a Joselito, novamente se escanchou no sofá velho, voltou a chamar pelas meninas.
    __ Suas maitacas! Venham já pro salão. As luzes já estão acesas. Andem, andem! Menos conversas e mais ação. Não quero ver ninguém com cara de tacho! Homens gostam de meninas alegres, faceiras.
    De fato, Joselito, o garção, já acendera as luzes verdes, azuis e rosas. Lá fora, aos poucos, a noite chegava. Mais seis mulheres entraram na sala. Estavam limpas e maquiadas. 
    __ Uma bíblia não vale tanto, nem que fosse de folha de ouro -comentou Adelaide, rindo, enquanto alisava o cabelo moreno. 
     __ Eu quero dar uma lição nesse safado! 
   Aos poucos, as mulheres ocuparam em silêncio os velhos divãs. Havia de todos os gostos e bolsos: altas, gordas, baixas, magras, jovens, adolescentes, loiras, ruivas, olhos pequenos, olhos grandes, brancas, morenas, pardas, negras. Todas se pareciam. Tinham quase sempre as mesmas histórias. Também se pareciam no cheiro: o perfume barato e enjoativo. As mocinhas, ainda adolescentes, tinham seios bonitos, erguidos, do tamanho de uma pera  As demais já tinham perdido o frescor: sentavam-se de qualquer jeito, desconjuntadas, mostrando as pernas gordas, magras, com varizes, sem varizes, com feridas, com cicatrizes


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