GUIMARÃES ROSA - POESIA


GUIMARÃES ROSA
(João Guimarães Rosa)
Poeta, escritor, médico e diplomata
Nasceu: 27 de junho de 1908
Local: Cordisburgo - MG
Faleceu: 19 de novembro de 1967 (59 anos)
Local: Rio de Janeiro - RJ
Membro da ABL (terceiro ocupante da cadeira 2, eleito em 6 de agosto de 1963)
Ainda que tenha sido um homem do mundo, Guimarães Rosa escreveu, quase exclusivamente, sobre o universo sertanejo. A cultura produzida pelos jagunços, pela roça e pelos trabalhadores inspirou uma dezena de escritos. A experiência com o sertão, adquirida durante o período em que foi médico em Minas Gerais, marcou definitivamente o seu projeto literário. 

Antes de consagrar-se como grande escritor, Guimarães Rosa foi médico e diplomata. Desde criança, tinha facilidade para aprender idiomas e paixão por animais. Do universo letrado e culto em que viveu, aproveitou as ferramentas para criar, inventar e se aproximar do falar do povo do sertão. Sua obra reflete um universo sertanejo, povoado de cavalos, vacas e vaqueiros unidos pela magia da sua linguagem. É dessa alquimia com as palavras que são feitas as histórias de jagunços, valentias e andanças que ele nos conta em Sagarana, Grande Sertão Veredas, Tutaméia e outros. 

Criador de uma língua inédita e surpreendente, Rosa considera a sua como a “língua da metafísica”. Mas se aponta para o transcendente também mantém com a língua uma relação amorosa e carnal:
“A língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a benção eclesiástica e científica. Entretanto, como sou sertanejo, a falta de tais formalidades não me preocupa. Minha amante é mais importante para mim.”

Noite de 16 de novembro de 1967. Vai começar a cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras. Rosa pronuncia seu discurso durante 1h30.
“Profundamente emotivo, papai acabou seu discurso em lágrimas. Nunca o havia visto chorar em público. Ele me havia pedido para defendê-lo contra os fotógrafos e as pessoas que o envolvessem com exageros... Mas portou-se maravilhosamente, mesmo com o pressentimento de que, se tomasse posse, morreria”. (Vilma G. Rosa)

No domingo, 19 de novembro, três dias após a sua posse na Academia Brasileira de Letras, falece, vítima de enfarte, aos 59 anos, em seu apartamento em Copacabana.

“De repente, morreu: que é quando um homem vem inteiro pronto de suas próprias profundezas. Morreu, com modéstia. Se passou para o lado claro, fora e acima de suave ramerrão e terríveis balbúrdias.....Alegremo-nos, suspensas ingentes lâmpadas. E: sobe a luz sobre o justo e dá-se o teso coração alegria!” – desfere então o salmo. As pessoas não morrem, ficam encantadas. ...Mais eu murmure e diga, ante macios morros e fortes gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, buriti, e a sempre-viva-dos-gerais que miúdo viça e enfeita: O mundo é mágico. – Ministro, está aqui CORDISBURGO.”(últimas palavras do discurso de posse da ABL).
Fontes: 
Vidas Lusófonas
Link > goo.gl/t5ER4
Guimarães Rosa, o Mágico no Reino das Palavras, Documentário TV Escola


CHUVA

Vai chover chuva de vento.
Já estou sentindo um cheiro d′água,
que vem do céu cinzento.
As formigas lavadeiras cruzam o quintal
em filas compridas de correição.
Minhocas brotam à flor da terra.
— Eh aguão!...
A chuva vai vir da banda da serra,
porque o joão-de-barro abriu a sua porta
virada para o sul.
As sementinhas do meloso seco
devem estar lançando na poeira.
Eu não ouvi o primeiro trovão,
mas o zebu está escutando,
com a cabeça encostada no chão.

Três urubus passam no alto,
em vôo lento,
em reta longa.
Vão para as lapas dos lajedos.
"Vai fazer tua casa, Urubu!...
Tempo de chuva aí vem, Urubu!..."

Já deve estar chovendo nas cabeceiras da serra,
porque o ribeirão engrossa, cor de terra.
Vai chover chuva de vento.
Os bois vêm correndo, pasto abaixo,
procurando as árvores do capão.

Vai invernar...
Eu hoje amanheci alegre,
querendo cantar...
O vento já chegou nas casuarinas,
e o sapo saiu de debaixo da laje
para um buraco no meio do pátio
onde vai se encher uma lagoa.
— Eh aguão!...
— Olá, José, arreia meu Cabiúna,
liso do casco à testa,
preto do rabo à crina,
que eu vou sair pelo cerrado afora,
a galopar, com a chuva me correndo atrás...
Ela já vem, branquinha, cheirando a água nova,
e a serra está clarinha, neblinando...
A chuva vem rolando, vem chiando,
e o vento assoviando
— Galopa, Cabiúna, que a água vem vindo,
e as sementinhas do meloso seco estão dançando...

 JOÃO GUIMARÃES ROSA
In Magma, 1936
(publicado em 1997)



SONETO DA SAUDADE

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.

Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.
 JOÃO GUIMARÃES ROSA 
In Magma, 1936
(publicado em 1997) 



SAUDADE

Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfas e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez ainha hoje espere por mim...

Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...

Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!...
Como quem fecha numa gota
o Oceano,
afogado no fundo de si mesmo...

JOÃO GUIMARÃES ROSA
In Magma, 1936
(publicado em 1997) 


PRIMAVERA NA SERRA

Claridade quente da manhã vaidosa.
O sol deve ter posto lente nova,
e areou todas as manchas,
para esperdiçar luz.

Dez esquadrilhas de periquitos verdes
receberam ordem de partida,
deixando para as araras cor de fogo,
o pequizeiro morto.
E a árvore, esgalhada e seca, se faz verde,
vermelha e castanha, entre os mochoqueiros,
braúnas, jatobás e imbaúbas do morro,
na paisagem que um pintor daltônico
pincelou no dorso de um camaleão.

E o lombo da serra é tão bonito e claro,
que até uma coruja,
tonta e míope na luz,
com grandes óculos redondos,
fica trepada no cupim, o dia inteiro,
imóvel e encolhida, admirando as cores,
fatigada, talvez, de tanta erudição…

JOÃO GUIMARÃES ROSA
In Magma, 1936
(publicado em 1997)



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