ROTEIRO PARA UM PASSEIO AO INFERNO - DORIS LESSING

Todos os homens fazem cavernas de sombras para os olhos,
Com chapéus e mãos, órbitas, pestanas, testas,
Para as delicadas pupilas ousarem olhar para a Luz.

Nas terras do norte também, onde a luz não tem sombra,
O homem ergue a mão para proteger a vista;
É coisa que já vi fazerem no luar forte.

Diante de qualquer clarão muito forte, essa mão vigente
Corre ao seu posto, fazendo um escuro;
Como os do gato, os olhos do homem ficam grandes e suaves de noite.

São olhos novos, ainda não habituados a ver.
Absorvendo facetas, individuais,
Ainda sem habilidade para os usarem redondos e certos.

Pensem: animais de quatro nós éramos, baixos,
Com o olhar horizontal bem guardado
Daquela claridade vibrante, chamejante de arder os olhos.

Porém tinha de vir esse dia inevitável:
Um animalzinho valente ergueu a pata ao galho,
Puxou-se para cima - e cambaleou à sua altura.

Nossos bebês humanos nos mostraram como foi.
Eles escalam; nós, vigilantes,
Deixamos que aprendam a loucura de seu susto.

Naquela primeira aventura, a luz desceu em saudação,
De igual a igual, um faiscar na mente,
E o animal pensou ser "anjo" - como bem podíamos.

Uma pata, livre da terra, agarrava-se ao galho liso;
A outra, liberta, esperava, enquanto os olhos
Erguiam-se afinal ás aves e nuvens voando.

E assim ele se equilibrou ali, um animal de pé.
E o anjo, poupando o que ele mal ganhara,
Levantou aquela mão inerte para proteger sua vista,
Naquele gesto mais comum que é feito.
O homem não pode olhar diretamente para o sol.


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