SOBRESSALTO / CONTO / ODENILDE N. MARTINS

    

Sobressalto

É noite quente, de lua clara. As crianças brincam na pequena praça, correndo para lá e para cá, brincando de pega-pega ou de esconde-esconde, enquanto os pais conversam animados. Não há o que temer, todos se conhecem. Ali, o tempo corre sem grandes sobressaltos. As portas e janelas não são trancadas, travas para quê? A vida moderna e seus estorvos são vistos de muito longe, esporadicamente. Curiosidade em vivê-la ? Não. O que precisam, eles têm, quase tudo. Um ou dois mascates trazem o que não produzem. Não há o que temer.

Julião Mascate chegou logo cedo à pequena cidade, tocando a buzina para se anunciar: vinha carregado de tecidos coloridos e outras quinquilharias.

__ Biiiiippppp!! Bibipiiiiiiii! __ É hora, minha senhora! Venha escolher seu tecido! Julião tem de tudo: tem brincos, tem colares. Água de cheiro tem, também! Venha logo, não demore! __ Biiiipppp! Biiiipppp! __ Pro patrão, tem também! Para a criançada, bolas coloridas e bonecas, lápis de cor e peteca!

Minutos depois, lá estava Julião, barraca montada na praça. Em dias de barraca na praça, que mal havia de se esquecer alguns afazeres? As pessoas acorriam, ninguém ficava em casa. Ao entardecer, como sempre, Julião partiria.

Naquela noite, a conversa girava em torno da chegada do mascate e das compras feitas. Lindaura e Alzirinha jogavam peteca, separadas dos demais meninos e meninas.

As vendas foram fracas e, por isso, Julião resolveu ficar na cidadezinha e montar sua barraca novamente no dia seguinte.

A peteca foi arremessada com muita força. Onde foi parar? Lindaura sai à procura do brinquedo. Demora demais. Alzirinha resolve procurar também. Atrás do coreto, tropeça e cai. Cai sobre o corpo sem vida de Lindaura.

A cidadezinha, tomada de pesar, está muda de terror e espanto. Julião Mascate sumiu.

A maldade tomou forma e tocou a todos. É concreta e tem nome: Julião Mascate.

Portas e janelas se fecham. Na praça, não se ouve mais o alarido alegre do riso das crianças, brincadeiras não há. As rodas de conversas diminuíram. Restringem-se a uns poucos homens que conversam baixo e espiam desconfiados por cima do ombro. A cada desconhecido que na cidadezinha chega, um sobressalto. O mal existe. O povo carrega a marca indelével do medo.

ODENILDE N. MARTINS, CONTO PUBLICADO NA 5ª MINIANTOLOGIA DA ASSOCIAÇÃO CONFRARIA DAS LETRAS, 29/03/2014.

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