Mulheres - Conto

– As mulheres, sozinhas, depois dos quarenta e cinco, são muito fáceis de serem exploradas. Carência e solidão as tornam presas perfeitas para homens espoliadores – dizia Camilo. – Há homens que ficam à espreita, prontos para caçá-las e arrancar delas tudo o que podem.

– Infelizmente, tenho de concordar com você. Com a vida resolvida financeiramente, a mulher percebe que há uma lacuna. A vida afetiva... Quanto mais procura, mais chances tem de se dar mal. Muitas são as armadilhas preparadas pelos sedutores – assentia Sílvia, mulher de 56 e seis anos, independente e que vivia só.

– Esses bailes para terceira idade... Acontecem até mesmo durante a tarde, sempre cheios de homens jovens dispostos a se dar bem à custa de mulheres incautas e carentes de afeto. Estas são avaliadas pelos predadores, primeiramente, pelo carro que dirigem – continuava Camilo.

– Ah, meu caro, qualquer mulher está sujeita. Fico espantada, vez por outra, quando me contam sobre alguém que conheço e que está vivendo um relacionamento parasitário. O boa-vida fica instalado na casa da “vítima”, desfila com o carro da mesma, come e bebe do bom e do melhor, usa boas roupas, bons perfumes e posa de galã para as meninas.

– É o amor – conclui Camilo com sarcasmo.

– Amor? O coração feminino é um labirinto. A própria mulher se perde. A grande maioria, mulheres esclarecidas, bem informadas, de bom nível cultural. Não é fácil aceitar que alguém fique a seu lado por conta de certas vantagens. Penso que a necessidade de amar, e principalmente de ser amada, é o maior inimigo da mulher, não importa o quanto ela seja esclarecida. Julgamos estar imunes a esse perigo: exploração. É difícil reconhecer nossa fragilidade. Ter a percepção do quanto estamos vulneráveis. Entretanto, conforme já disse, até as mais jovens são presas fáceis. Especialmente àquelas que chegam aos trinta sem terem se casado.

– Mas isso é mais raro porque, nessa idade, a mulher está no auge de sua feminilidade, consciente de seus desejos, segura de si e disposta a ir à luta. O nível de tolerância com os tipos parasitas é baixo. Esse tipo de mulher não faz cerimônia alguma em mandar o cara a puta que pariu.

– Acho que as mais jovens caem em arapucas quando vão chegando perto dos trinta e cinco e seu relógio biológico avisa que a maternidade vai se tornando menos possível. Quantas não sonham com um filho? A mulher carrega em si esse desejo, mesmo que, às vezes, inconsciente – acrescenta Sílvia. – Existe amor maior do que o de uma mulher pelo seu filho? Sempre se doando, amando incondicionalmente sem esperar nada em troca.

– O vínculo do homem com os filhos não é tão forte assim. Acho que é por conta da gestação, amamentação... – conclui Camilo.

A conversa acontecia em um bar entre um chope e outro. Sílvia lembrou-se do acontecido com sua amiga Marisa, mulher de trinta e dois anos, independente, carreira profissional definida, boa situação financeira, de família estruturada e que nunca vivera relacionamento com homem que não tivesse condição semelhante.

Marisa sequer pensava na possibilidade de casar-se com alguém que não fosse capaz de lhe proporcionar o mesmo conforto e segurança que tinha na casa de seus pais. Dizia que para ligar-se a alguém de maneira tão séria, esse alguém precisava ter uma situação financeira estável, com carreira profissional definida. Passou por vários casos amorosos, sofreu, mas continuou firme em suas convicções. Pé no chão sempre, coerente com seus princípios. Até por um noivado passou! Não tinha pressa. Casar-se? Sim, ela pensava em casar-se, mas depois de ter casa própria, confortável, sem que para isso precisasse receber ajuda dos pais. Pagar aluguel? De jeito nenhum!

– O homem devia ter futuro sólido, dizia – pois quando a necessidade bate à porta, o amor foge pela janela. 

Não deixava de ter razão.

– Amor e uma cabana, só em filmes. Amor nenhum resiste a privações, começam as reclamações, as acusações e o amor rapidamente azeda – arrematou Camilo.

Com Marisa tudo acontecera muito rápido: em dois meses conhecera Caio, com mais ou menos a mesma idade que ela, já desquitado e pai de três filhos. A paixão foi fulminante e a mulher esqueceu toda sua filosofia sobre relacionamentos com homem sem eira nem beira.

– Estou muito preocupada com minha filha. – dizia dona Eliane a Sílvia. – Acho tudo rápido demais.

– Tranquilize-se. Marisa tem pé no chão. Quantas histórias conhecemos de namoros e noivados longos que, quando viraram casamento, não duraram um ano? A senhora tem um caso em sua família, não é mesmo? Isso não aconteceu com uma sobrinha sua?

– Sim, é verdade. Mas acho que minha filha está se precipitando. É uma loucura.

– Olha, dona Eliane, quem garante que essa loucura não dará certo? Ela não é nenhuma garotinha ingênua, deve saber que pode estar embarcando em uma canoa furada. E depois, não temos como livrar nossos filhos de todas as dores. Eles precisam vivê-las. Crescer dói.

Em menos de três meses, Marisa namorou, noivou e saiu da segurança da casa dos pais para viver com Caio em uma modesta casa alugada, em um bairro pobre. Todo o discurso de casa própria, confortável etc. foi esquecido.

Menos de um ano depois, o celular de Sílvia tocou, era Marisa pedindo abrigo. A primeira briga acontecera. A moça tinha um temperamento autoritário e o casal acabou brigando numa clara disputa de autoridade.

– Olha, minha amiga, digo-te o que diria para minha filha: não tente impor-se na frente de amigos de teu marido. O homem não tolera isso. Se você não gostou da atitude dele, fale com ele a sós. É claro que ele não ia aceitar que você o repreendesse de forma tão incisiva na frente de outras pessoas. A reação não podia ser outra: ele vai querer deixar claro que com ele mulher não grita. Por que você não foi para a casa de vocês?

A discussão acontecera na casa de praia dos pais de Marisa que, após a briga, jogou suas coisas no carro e foi embora, deixando o marido.

– O que você acha que vai acontecer? Que Caio virá atrás de ti e ficará assustado por não te encontrar? Que ele vai sair a tua procura? Esquece! Isso não vai acontecer porque ele está muito mais zangado que você. E não deixa de ter razão. Hoje você fica aqui, amanhã vá para casa, espere teu marido lá e resolva a situação. Não é se escondendo que as coisas entrarão nos eixos. Não aja como se tivesse quinze anos.

Pouco tempo depois, Sílvia soube que a amiga estava grávida. A amizade esfriara um pouco, Marisa não a procurara mais. O bebê nasceu e menos de um ano, Marisa estava separada. Traição, confidenciara-lhe Luisa, uma amiga em comum.

Depois de alguns meses, após a separação, Sílvia ligou para Marisa e a convidou para ir a sua casa

– Pedro é um garoto lindo! E a maternidade é reconhecida por Marisa como a melhor coisa que lhe aconteceu.

– Por que a separação?

“As brigas começaram quando Pedro estava com dois meses. Daquelas de quebrar as coisas. Durante um ano, eu tive um casamento perfeito. Depois, tudo desabou e a vida virou um inferno. Nós nos mudamos para uma casa que locamos de meu pai. Eu comprei a parte da ex- mulher dele na casa que era deles e que está alugada. Dei meu carro e meu pai emprestou o que faltava. Fiz empréstimo bancário para investir na empresa dele. Nosso casamento estava tão perfeito que achei que devíamos construir um patrimônio juntos. Agora, o que me restou é uma montanha de dívidas, que ele se recusa a assumir, e mais nada. Ainda bem que tenho o Pedro.”

– Um casamento bom não vira um inferno de uma hora para outra. O que houve de fato? – queria saber Camilo. 

“Isso só contei para a Luisa. Nem minha família sabe. Eu sempre fui muito dorminhoca, mas com filho pequeno até o sono muda e a gente acorda espontaneamente durante a noite, você sabe como é. Como não percebi? Depois disso, acabou tudo. Agora aqui estou eu, com um filho pequeno para criar sem ajuda e atolada em dívidas.”

– É, Camilo, quando minha amiga resolveu esquecer suas convicções e mergulhar em um relacionamento, deu-se muito mal. A vida dela está complicada, mas há de melhorar. 

– Veja o perigo da entrega, Sílvia – arrematou Camilo. – O que aconteceu? 

– Aconteceu que Marisa surpreendeu o marido...

– Não! Ele estava traindo a mulher dentro de sua própria casa? Mas com quem? – interrompeu-a.

– Há coisas que são mais destrutivas que um adultério, meu amigo. Marisa surpreendeu o marido cheirando cocaína! A casa caiu. Adeus confiança! Eu também não conseguiria seguir adiante com o casamento.

– Realmente é muito difícil. Mesmo que o cara jure que não usará mais, qualquer atitude um pouco diferente, vem cisma e acusação. E o desassossego chega devastando tudo. Confiança é um cristal delicadíssimo, uma vez trincado, adeus! Não tem como arrumar. 

– A maldita cocaína destrói tudo, família, amigos, trabalho, tudo. Agora lá está a Marisa, cheia de dívidas e o infeliz já partiu para outro casamento. Rapidamente, arranjou mais uma idiota que caiu em sua lábia. Até quando ele vai fazer isso? Até o dia em que será morto por um traficante ou tenha alguém da família assassinado. O pior são os filhos quando começam a entender no que o pai está metido. Quando isso acontece, o super-herói deixa de existir. E o que um pai desses pode fazer se os filhos trilharem o mesmo caminho? Nada. Só assistir a sua própria derrota com dor dobrada. Se não consegue vencer as próprias fraquezas, como ajudar os filhos a vencerem as suas?

           
 Martins, Odenilde Nogueira.Mulheres - In: Caso encerrado, 2014.
               
                                                                                             



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